Este projeto ajuda a preservar a memória e contribui para as lutas atuais.
Leia a seguir o primeiro capítulo.
Já estava pronto
Já estava pronto quando Marta me avisou que sairia na primeira turma, junto com Evaristo. Meus pertences não passavam de uma camiseta, escova dental e um pulôver leve, que carregava num saco plástico de supermercado. Acostumara-me a carregar o mínimo. Evitava malas e maletas. Queria sempre passar por um passante comum e não ser percebido. Ficava surpreso com companheiros que carregavam pastas avantajadas. E, não raro, brutas dez horas da noite, postavam-se feito estátuas de bronze em esquinas, esperando o contato chegar. Às vezes, só faltava um pouco mais de iluminação para chamarem o máximo de atenção.
Naqueles tempos, em que os opositores do regime político-militar eram perseguidos como inimigos e traidores da pátria, entrar num aparelho do partido, mais do que sair, era uma das operações mais cuidadosas daquela vida de medos, sobressaltos, tropeços e quedas mortais. Aparelhos não passavam de casas comuns, alugadas para encontros e reuniões de militantes e dirigentes políticos clandestinos, ou para a guarda e funcionamento de equipamentos de impressão e de materiais partidários. Nunca soube por que haviam recebido a alcunha de “aparelhos”. Mas o fato é que, num desses fenômenos de uso comum de conceitos, tanto os revolucionários quanto os membros da repressão política os tratavam do mesmo modo: aparelhos.
Os moradores efetivos de um aparelho, pelo menos teoricamente, mantinham atividades econômicas e sociais normais, sem qualquer outra relação diretas com as atividades políticas e partidárias cotidianas. Tanto eles quanto a localização do próprio aparelho não deveriam ser conhecidos pelos que eventualmente o frequentassem. Esta era a regra de ouro da segurança desses locais, embora nem sempre fosse seguida à risca. E era isso que tornava a operação de acesso e saída de um aparelho ainda mais complicada.
Para ir a um desses locais de reunião, qualquer militante primeiro deveria encontrar-se com um dos responsáveis, num local e hora determinados. Ou seja, deveria cobrir um ponto, cuja tolerância de espera não poderia ultrapassar cinco minutos. Os cuidados para não ser seguido pela polícia até esse ponto eram estritos e deveriam ser observados rigorosamente, embora nem sempre o fossem. Feito o contato, e após algumas voltas, às vezes por alguns quarteirões, para comprovar se as costas e as laterais estavam desimpedidas, sem ninguém suspeito atrás ou na paralela, era então conduzido ao carro que o transportaria.
- Agora vamos olhar para o chão. Estamos perto!
Este era o aviso de sempre, para que a marca, a cor e a placa do veículo não fossem vistas.
Embarcado, tinha que manter os olhos fechados durante todo o trajeto. Só os abria quando fosse dada autorização, em geral para saltar do veículo e entrar na casa. Dentro desta, os participantes de uma reunião, mesmo dirigentes, em geral só tinham acesso à sala, à copa, ao quarto onde dormiam e ao banheiro. As demais dependências continuavam vedadas, embora qualquer um pudesse deduzir as dependências existentes, pelas portas trancadas.
Em dezembro de 1976, era a quarta vez que eu, então portando o nome de guerra de Valdir, ia àquele aparelho do comitê central. Pela aparência interna, parecia uma casa típica de classe média. Não deveria ter mais que dois quartos, além da sala. O luxo consistia na copa, onde eram feitas as refeições, ligada à sala através de um pequeno corredor. Um dos quartos dava diretamente para a sala. O banheiro e o outro quarto, cuja porta era mantida permanentemente fechada, tinham entrada pelo corredor. Uma porta, também de acesso interditado aos ocupantes temporários do aparelho, dava passagem da copa para o pátio externo, onde o carro estacionava.
Já na primeira vez, espantei-me reconhecer que estava num carro DKW e não deixei de comentar o assunto.
- Que droga de segurança é essa que deixa vocês continuarem a usar um DKW?
Cid, um dos principais dirigentes do partido e, tudo indicava, responsável pelo aparelho, não gostou da crítica.
- Errado foi você não seguir as instruções e ver o carro.
- Você deve estar brincando, respondi. Não é preciso olhar para saber que você está dentro de um DKW. O som do motor dessa marca é inconfundível e reconhecido por qualquer criança. Além disso, quantos DKW ainda existem rodando por aí? Se a repressão descobre, basta levantar os existentes. Ela vem bater direto em cima de nós, mesmo sem ter trabalho de seguir ninguém. Acho que vocês têm que trocar de carro amanhã mesmo.
Houve um resmungo nitidamente audível, mas não se falou mais no assunto. Na segunda e na terceira vez, ainda entrei e saí levado pelo ronco do mesmo DKW. Mas na quarta vez fora diferente. Tratava-se agora de um quatro portas mais recente, cuja marca e modelo não eram fáceis de identificar. E fora Marta, ao invés de Cid, a me apanhar no ponto. A casa do aparelho continuava a mesma. Passei dois dias dentro dela. Primeiro e principalmente, discutindo os problemas enfrentados pela política guerrilheira do partido, mortalmente golpeada no Araguaia. Depois, como decorrência, discutindo a linha a ser seguida daí para a frente. Mesmo porque havia mudanças na conjuntura política.
No informe sobre a situação do partido, Dimas, da comissão de organização, cujo nome real eu ignorava, foi soturno:
- No Araguaia, entre abril de 1972 e maio de 1974 foram massacrados mais de 70 companheiros que compunham o dispositivo militar do partido na região. Entre eles, dois membros do comitê central: Paulo Mendes e Maurício Grabois. Grabois, seu comandante, também era integrante da comissão executiva. Nesse mesmo período, num esforço concentrado para liquidar o suporte urbano à guerrilha rural, a repressão desenvolveu uma operação corta-cabeça contra nós. Prendeu, torturou e assassinou Carlos Danielle, Lincoln Oest, Lincoln Bicalho Roque e Luís Guilhardini, todos eles dirigentes destacados do comitê central e da comissão executiva. Nessa razia também foram presos Luiz Vergatti e José Duarte, membros do comitê central.
Fez uma pausa, respirou fundo, e continuou:
- Essa operação continuou mesmo após a guerrilha do Araguaia haver sido liquidada. Entre 1974 e 1975 foram aprisionados e assassinados Armando Frutuoso, do comitê central e da comissão executiva, e Ruy Frazão, um dos dirigentes do partido no Nordeste. Essa onda de prisões e torturas atingiu ainda inúmeros militantes e dirigentes regionais, particularmente no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e no Nordeste.
Ele não se referiu ao fato desses golpes sucessivos haverem introduzido uma divergência ainda mais profunda em relação à estratégia da luta armada, há muito presente no interior do partido. Raciocinei que, naquele momento, essa divergência se expressava, primeiro e principalmente, na divisão entre aqueles que pretendiam avaliar em todas as suas dimensões o fracasso da luta guerrilheira e os que achavam que tal fracasso fora temporário e causado por erros estritamente táticos e militares. Todos ainda continuávamos supondo ser impossível derrotar a ditadura por outros meios que não os armados.
Porém, o consenso morria aí. Lembrei de Cid, que sabia ter Amazonas como sobrenome verdadeiro, em reunião anterior, defendendo a continuidade do que fora feito:
- Os nossos erros foram estritamente militares. Eles é que causaram a derrota da guerrilha. Agora ganhamos experiência e poderemos evitá-los. Nós tínhamos o apoio da maioria da população e não precisamos mudar nossa rota. Devemos continuar organizando dispositivos armados de militantes, em zonas rurais selecionadas de acordo com condições geográficas favoráveis.
Seu contraponto principal fora Pomar, cujo nome de guerra era Mário:
- Nossos erros foram fundamentalmente políticos. O apoio da população não se traduzia em organização, tanto que a esmagadora maioria dos guerrilheiros era do partido. Isso é uma inversão dos princípios de uma guerra popular. Nós precisamos realizar um trabalho político de mais longo prazo entre os camponeses, os operários e os segmentos sociais e políticos que se opõem à ditadura. Essa é a base para qualquer tentativa futura de luta armada. A construção de novos dispositivos, no mesmo modelo do anterior, é a perseverança no erro.
Relembrei, ainda, da primeira reunião, no final de 1974, em que essa discussão teve início. Ângelo Arroyo, cujo nome de guerra era Ademir, havia conseguido escapar do Araguaia e participara dos debates. A essa altura também já tínhamos a confirmação de que Osvaldão, provavelmente o último remanescente da guerrilha na região, havia sido assassinado. Seu corpo fora içado por um helicóptero para ser mostrado em todas as currutelas, aquelas pequenas vilas à beira de estradas de chão batido do baixo Araguaia e do baixo Tocantins, como uma demonstração de que não era imortal.
Paralelamente, essa discussão começara num momento em que a resistência política legal e de massa à ditadura aumentara, tornando-se um dos focos daquela reunião. Ainda estava viva em minha memória a opinião de Frutuoso, cujo nome de guerra era Juca:
- A oposição consentida, reunida no MDB, teve uma vitória eleitoral difícil de esconder ou tergiversar. Paralelamente, temos notícias de operações tartaruga e movimentos semelhantes, por salários e outras reivindicações trabalhistas. Eles estão causando pequenos tremores no chão das fábricas. É como se o vulcão operário, adormecido tanto pela renovação da antiga geração da classe trabalhadora quanto pelas repressões, tenha começado a despertar. Ele se debate em seu sono juvenil e em seu sonho assalariado. Há também um movimento contra o custo de vida, orientado pela igreja católica, que procura conquistar cidadania e impor-se legalmente ao regime.
- E não devemos esquecer que um surdo movimento pela anistia política começa a se fazer ouvir, completara Dineas, cujo nome de guerra me fugiu da memória.
Na reunião seguinte, da qual participei, em dezembro de 1975, Amazonas frisara que o processo de centralização militar, exacerbado pelo Exército principalmente a partir de 1969, encontrava crescente resistência:
- Não é por acaso, dissera. A partir do momento em que o milagre econômico se esgotou e se esbateu contra a crise mundial do preço do petróleo e do endividamento externo, as grandes massas da população, massacradas pela política de primeiro crescer o bolo e depois distribuir, já não aguentam mais. As lutas tendem a crescer. Portanto, as condições para a guerra popular amadurecem mais rapidamente do que podemos supor.
A situação no seio das próprias forças armadas parecia dar razão a ele. Conforme dados que eu continuava obtendo de meus contatos militares, fiz uma descrição sucinta do que ouvira, embora acentuando que tais informações haviam sido coletadas em notas dispersas de jornais e revistas:
- Nas forças armadas instalou-se o que alguns oficiais chamam, à boca pequena, de “anarquia nos quartéis”. A ordem da ditadura passou a ser mantida exclusivamente pela força e concentrada, desde o Ato Institucional 5, no alto comando do Exército. Este se proclamou, mesmo à revelia dos oficiais generais da Marinha e da Aeronáutica, como colégio de escolha da presidência.
- Como é que é isso? inquiriu Sérgio, cujo nome real ignorava.
- É como se tivéssemos retornado à época em que, antes da queda de Constantinopla, no século 15, a casta guerreira bizantina escolhia o imperador. O Médici foi escolhido como presidente da República através de uma lista em que só constavam um pouco mais de cem generais do exército. Depois, foi o alto comando dessa força de terra, composto por uns dez generais de exército, que bateu o martelo sobre seu preferido. Isso transformou a presidência do país numa promoção a mais na carreira militar de generais de cavalaria, infantaria, artilharia e engenharia. E conformou, amoldou, modelou o Exército como casta dominante.
- Mas com isso você tira a responsabilidade dos componentes civis que fazem parte da cúpula da ditadura, atalhou o Príncipe, cujo nome sabia ser Jover.
- Antes de 1969 havia certa ambivalência militar e civil na ditadura, respondi. Porém, a partir de então, a cúpula da ditadura se tornou exclusivamente militar e da força de terra. Não só os civis da cúpula aparente, mas também os militares da Marinha e da Aeronáutica estão subordinados ao Exército. Isso pode não aparecer tão claramente, mas por dentro é assim que está acontecendo.
- Mas como você explica que alguns juristas tenham a coragem de denunciar publicamente que houve um apagão das leis, abolição das garantias e implantação do puro arbítrio? Por que os milicos não vão pra cima deles? perguntou Evaristo, cujo nome legal ignorava.
- Eles estão denunciando isso somente agora. A centralização quase monárquica da ditadura está coincidindo com sua crise. Não é por acaso que também estão sendo vazadas notícias sobre manifestações de descontentamento dentro das forças armadas. As primeiras foram sobre a escolha do Médici para a presidência, em 1970. Teve almirante e brigadeiro que estrilou. Depois, surgiram várias sobre a política do Médici e seu orgulho em ser chamado “Sanguinário”.
- Mas isso é somente briga de comadre, atalhou Amazonas.
- Talvez não seja só isso, retomei. Soubemos, por vias travessas, que alguns generais, almirantes e brigadeiros se insurgiram contra a crescente transformação dos problemas políticos em problemas exclusivamente militares, que pudessem ser resolvidos através de ordens de combate do alto comando do Exército. Em 1971, enquanto o general Humberto Mello reiterou que a ordem era “matar”, o general Souto Malan teve sua indicação para embaixador em Paris cancelada porque defendeu a “volta dos militares aos quartéis”.
- Você está insinuando que há uma divisão interna no regime? inquiriu novamente Amazonas.
- Não estou insinuando nada! respondi. Estou afirmando que essa divisão existe. A tal ponto que o Médici, em 1973, para escolher o Geisel para substitui-lo na presidência, agiu como se fosse imperador. Sequer consultou o Alto Comando.
- Você tem certeza disso? exclamou Dimas.
- Tenho! No entanto, é difícil distinguir quem é quem na luta surda e maquiavélica em torno da perenização do Exército como casta dominante, e do arbítrio como lei de funcionamento da sociedade. Esse é um dos pontos mais complexos da atual situação política, tornado ainda mais confuso com as divisões no seio da burguesia e na sua relação com os militares.
Jover não perdeu a oportunidade:
- Essa é uma classe de merda!
- É uma classe de merda, mas tem o poder econômico, rebati.
- Mas ela sempre deu apoio incondicional ao regime militar e a seus planos de desenvolvimento subordinado ao grande capital, em especial dos Estados Unidos, retornou Jover.
- E não vamos esquecer que já se tornou segredo de polichinelo que empresários da FIESP se cotizaram para comprar a virada de casaca do Amaury Kruel, comandante do segundo exército, em 1964, aduziu Artur, de nome real ignorado por mim.
- Também não é mais segredo que empresários ligados a diversas federações empresariais fizeram “doações” para montar a Operação Bandeirante, a OBAN, para combater a resistência armada contra a ditadura através da “guerra suja”. Foi a experiência piloto da OBAN que serviu para a constituição dos Doi-Codis, os órgãos autônomos de repressão policial militar nas principais regiões militares do país, completou Pomar.
- Tudo isso é verdade, reconheci. Porém, a burguesia é escrava da taxa de ganância, do lucro. Este é seu verdadeiro senhor. Diante das dificuldades econômicas, e da crescente participação das estatais na divisão do bolo dos lucros, uma parte dela grita contra a participação das estatais na economia. Se muita gente perde a vida só para olhar um tesouro, imagine o que não é capaz de fazer quando esse tesouro é seu. Por isso, já tem outra parte sugerindo à meia voz a volta do “estado de direito”, como condição para enfrentar as dificuldades da economia e os emergentes reclamos sociais. Basta ler o que o Gudin está escrevendo. Alguém acha que o Gudin é democrata?
- De qualquer modo, interveio Amazonas, essas divisões entre os militares e dentro da burguesia não têm importância na situação política do país. O que deve nos interessar é que elas abrem melhores condições para nossa estratégia de guerra popular.
Pomar, porém, não concordou com essa observação:
- A “distensão” imposta por Geisel está tão carregada de contradições e arbitrariedades, que pouca gente a tem como uma indicação de uma retirada estratégica do regime militar e de bandeamento de uma parte da burguesia para fora do campo da ditadura. A “distensão” é vista mais como manobra protelatória.
- E não é? perguntou Amazonas em tom irônico.
- Pode até ser, respondeu Pomar. A ditadura precisa ganhar tempo. Precisa de tempo para que as medidas adotadas para superar as dificuldades do fim do milagre econômico e da crise do petróleo tenham o efeito esperado. Esse é o caso do pró-álcool. Também precisa de tempo para superar os problemas políticos causados pela vitória do MDB nas eleições de 1974, apesar do nosso boicote eleitoral. O problema é que essa necessidade de ganhar tempo exige concessões e está criando problemas que mudam a conjuntura política. Isso nos obriga a adotar táticas mais amplas para não nos isolarmos.
- Eu não acredito que algo diferente esteja ocorrendo no quartel de Abranches da ditadura, contrapôs Amazonas. O partidão revisionista acreditou cegamente que a distensão do Geisel era uma democratização em curso. Com essa ilusão organizou e reentrada de quadros de seu comitê central que estavam no exílio. Pelo menos oito deles foram assassinados e desaparecidos pelos órgãos de repressão policial-militar, entre 1973 e 1975.
- Estamos falando de coisas diferentes, retomou Pomar. Essa matança dos companheiros do PCB foi um recado claro de que os órgãos repressivos não fazem qualquer distinção entre os comunistas que proclamam sua disposição de seguir um caminho pacífico de lutas e os que perseguem a luta armada.
- Para eles, somos todos, sem distinção, cães danados, adicionei.
- É isso mesmo, continuou Pomar. E a cães danados, todos a eles. Sem leis e com o arbítrio como lei máxima não escrita, da mesma forma que ocorreu na Itália fascista e na Alemanha nazista, o caminho para o banho de sangue estará sempre pavimentando. No entanto, isso já não acontece sem reação de massa.
- Como assim? perguntou Marta, que sabia chamar-se Elza.
- O assassinato do Vladimir Herzog, também membro do PCB, fez irromper a primeira grande manifestação política em praça pública depois de 1969. Milhares de pessoas perderam o medo e gritaram sua indignação contra a repressão policial-militar e o uso da tortura e do assassinato de presos políticos. É em relação a essa nova situação que devemos nos posicionar. A vitória do MDB e essa reação massiva criou uma nova conjuntura política. Repito: ou nos posicionamos bem diante dela, ou ficaremos isolados.
Essa mesma discussão voltou à baila na reunião de julho de 1976. Na ocasião, Sérgio fizera questão de opinar sobre os desdobramentos do assassinato, no início de 1976, nas mesmas dependências do DOI onde morrera Herzog, do operário Manoel Fiel Filho.
- Geisel demitiu com desonra o comandante do exército na região de São Paulo, Ednardo d’Àvila. Com isso está à mostra não só um racha no sistema, mas também uma luta interna intensa para impedir que até mesmo políticas raquíticas de “distensão” sejam colocadas em prática. Acho que esses rachas e lutas tendem a se aguçar se houver nova derrota eleitoral da Arena nas eleições municipais de 1976. Os setores “duros”, os trogloditas do regime “gorila”, devem intensificar suas ações para colocar a distensão do governo Geisel na parede e impedir que ocorra qualquer alteração da luta contra o “comunismo”.
- Você está insinuando que devemos nos aliar ao Geisel para isolar os “duros”? perguntou Dineas.
- Você está tirando conclusões erradas sobre o que eu disse, retornou Sérgio. Afirmei que devemos reconhecer que há uma séria divisão no sistema, e que os “duros” estão dispostos a tudo para liquidar a distensão do Geisel. Para os “trogloditas”, “comunista” é todo tipo de gente que simplesmente cai na asneira de criticar o arbítrio, faz piada com o besteirol de asneiras que assola o país, como o Stanislaw Ponte Preta, ou se declara a favor de direitos democráticos. Esse é um caminho suicida para eles.
- Mas isso é bom pra nós! interveio Elza.
- Mas o que está colocado, ao mesmo tempo, é que o Geisel, o Golbery, e a turma deles acham justamente isso e trabalham para modificar a conceituação que os “duros” fazem dos “comunistas”. A distensão faz concessões para os setores liberais com o objetivo de nos isolar. Embora os objetivos pareçam idênticos, isso está criando uma luta de morte entre eles. Então, o que estou dizendo, é que não devemos deixar que nos isolem. Temos que participar mais diretamente das lutas democráticas. Temos que sair do voto “nulo” e participar das eleições municipais através do MDB. Devemos nos esforçar para criar um poderoso movimento social que arrebente a distensão e a transforme em uma abertura ampla e popular.
- Você está sugerindo que o comitê central modifique a orientação partidária que predominou até agora? voltou a perguntar Amazonas.
Resolvi intervir:
- Acho que essa pergunta não se coloca. É verdade que ela tem algo a ver com a orientação seguida no Araguaia. Mas o que o Sérgio colocou em primeiro plano foram as táticas mais amplas para enfrentar a situação nacional, que aliás aprovamos na sexta conferência nacional do partido, em 1966. Naquela ocasião afirmamos que somente uma luta que englobe o povo em seu conjunto poderá ter pleno êxito. E nessa luta incluímos a mobilização e a luta por uma assembleia nacional constituinte e pela anistia política. Acho que é momento de resgatar essa orientação partidária deixada por algum tempo de lado e recolocada pelo Sérgio agora.
Pomar disse concordar com as observações do Sérgio e minhas, e acrescentou:
- Mas não devemos cair nas ilusões do partidão. Ao mesmo tempo em que ampliamos nossa tática, é imprescindível adotar medidas de segurança mais estritas, exatas, restringidas, restritas, definidas, literais e rigorosas. A disputa entre os setores ditatoriais responsáveis pela repressão e pelos assassinatos políticos e os setores que manobram no sentido de uma retirada estratégica tende a tornar mais perigosa a sobrevida do que resta das organizações revolucionárias. Nenhum desses lados do regime pretende que continue viva a antiga geração de dirigentes com experiência política.
Fez uma pausa, e continuou:
- O aparato repressivo, como um moedor de carne, tritura, assassina e desaparece tanto com os que propugnam e praticam o caminho armado, quanto com os que enveredam pelo caminho pacífico, e deixam de se precaver diante das promessas de distensão política. Ao período sanguinolento de Médici, que destruiu a ANL, a Ala Vermelha, o PCBR, o MR8, o Molipo, a VPR e outras organizações que praticavam ações de guerrilha urbana, seguiram-se, no período de Geisel, os assassinatos indiscriminados de nossos dirigentes e militantes, assim como de dirigentes e militantes do PCB pacifista.
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